sábado, 28 de março de 2020

Testemunho de duas engenheiras civis em tempo de Covid-19

Zoavam rumores de que a crise na construção estaria para breve. Nunca pensávamos que fosse JÁ. Enquanto tudo fecha e muitos ficam em casa, outros saem para que a curva aplane, sem mais baixas. Saem para que, quem fique em casa, volte um dia a sair também. São profissões essenciais a todos nós. Alimentos, medicamentos, limpeza. E a construção? Por que é que as obras não param? A resposta, sabemos todos. Economia. A construção é o sector que puxa a economia do país para cima e nos últimos tempos, deu as mãos ao turismo e cresciam juntos, felizes. Mas, e agora sem o turismo, vai sobreviver? Valerá a pena insistir e por em risco os trabalhadores nesta fase pandémica que enfrentamos?

É complicado ter uma resposta, porque não há, ninguém a tem, é tão invisível como este vírus.

Nas últimas duas semanas trabalhei em regime de teletrabalho. Voluntariamente devido a uma situação de contato direto com o meu marido. Felizmente, nós estamos bem, sem sintomas, assim como os colegas dele.

Mas infelizmente há quem não possa estar a trabalhar a partir de casa nesta nossa área, é o caso de uma amiga, Engenheira Civil, a qual dá o seu testemunho neste artigo. Para ela o medo está presente a cada minuto do seu dia. É um desgaste psicológico avassalador.

“Eu tenho sempre comigo uma garrafa de gel desinfetante, que uso constantemente. Mas também isso está difícil de encontrar. Falo longe das pessoas e tento não tocar em nada. Não tenho só um cliente, são vários. Tenho que visitar todos os dias, quatro obras a acontecer em simultâneo, quatro famílias diferentes. Eu tento não tocar em nada. Para tocar à campainha toco com o cotovelo. Levo uma caneta que só eu uso e desinfeto-a sempre. Antes e depois de usá-la.

É uma dor de cabeça. Acho que chego mais cansada agora com esta situação do que antes, porque tenho sempre aquela dúvida se, com quem estive, está doente. Apesar de não ter sintomas nunca se sabe, até pode estar infetado. É um stress. Mas é como tudo, se não trabalhas, não recebes.

Por um lado dou graças a Deus por ter trabalho e um ordenado mas por outro lado é tentar não ficar doente para não parar as obras, senão somos despedidos. Não há obra. Não há contrato.

A minha empresa faz subempreitada de obras públicas, por isso é complicado parar. Em questões de prevenção, todos os trabalhadores têm que usar luvas. Mas as máscaras já não há, por isso, temos feito artesanalmente com panos grossos. É difícil encontrar luvas, máscaras, está tudo esgotado. É muito complicado.

Conseguimos ter equipas de 2 ou 3 pessoas. Respeitam o trajeto casa-trabalho e vice-versa e pedimos que, caso não se sintam bem, fiquem em casa e nos avisem dos sintomas, para ficarmos atentos. Na obra, digo sempre para ficarem no espaço da intervenção e não deixarem que os moradores se aproximem deles. Há sempre um mais curioso que quer ver e saber e se isso já era desconfortável antes, agora então.

Aos proprietários perguntamos se está tudo bem com eles, se permitem fazer o trabalho e pedimos para não se aproximarem dos trabalhadores. Por exemplo, havia uma família que recusou o trabalho pois tinham um caso de risco em casa e pediram-nos para fazer o trabalho mais tarde, quando tudo isto passar. Basicamente é confiar nas pessoas e pensar que vai ser suficiente para a prevenção.

Até nem podemos ser infetados no trabalho, podemos ir ao supermercado e acontecer o contágio. Fui a uma superfície comercial de materiais de construção e estava cheio de pessoas, não havia limite de entrada.
É muito complicado. É tentarmos estar o mais protegido possível.”










3 Comentários:

Unknown disse...

Eu também sou engenheiro civil e continuo a trabalhar presencialmente em várias obras e no escritório porque a entidade empregadora assim o entende. Não há obrigação para parar.
Nas obras é impossível não tocar em objetos comuns, tais como o corrimão em madeira de cofragem sebosa para subir à laje para confirmar as amaduras antes da betonagem.
Durante a betonagem estamos mais juntos porque o espaço é pouco e o risco de acidente é elevado porque algo pode correr mal.
Se há uma emergência para ajudar alguém em risco temos que entrar em contato direto com o trabalhador sem luvas nem qualquer proteção.
Os trabalhadores deslocam-se em carrinhas com máxima ocupação de passageiros, com os vidros fechados e sem máscaras.

Partilhamos projetos em papel, cadeiras, mesas entre todos na obra e as instalações sanitárias são retretes quimicas limpas uma vez por semana, não há lavatórios sem sabonete para a higine das mãos.

Por isso eu pergunto, a que custo vamos sacrificar os trabalhadores da construção civil?
E se ficarem 60 a 70% doentes com taxas de mortalidade altas, com danos permanetes, com grau de invalidez, não será mais caro?

Neste momento verifico mais de 50% ne taxa de absentismo nas obras por medo e falta de condições de saúde e higiene na obra para este tipo de bactéria.

Não é nada bom exemplo termos colegas em casa a fazer teletrabalho e outros nas obras a sacrificarem-se.
Estamos perante uma situação nova na humanidade, não deverá a economia esperar para salvarmos vidas?

eduardo disse...

Realmente sendo uma empresa subcontratada em obra publica é de questionar porque trabalha. O dono de obra é o estado que pede para pararem uns e manda parar outros, mas como dono de obra nao adota essa postura...

Unknown disse...

faz parte do nosso trabalho, vai tudo correr bem!

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